Assunto pouco discutido, o
suicídio tem crescido nas mais diferentes faixas etárias, e os índices entre
jovens e idosos chamam a atenção dos especialistas. A depressão é a principal
causa.
Enquanto o suicídio segue sendo
um assunto sobre o qual se fala pouco, o número de pessoas que tiram a própria
vida avança silenciosamente. No Brasil, o índice perde apenas para homicídios e
acidentes de trânsito entre as mortes por fatores externos (o que exclui
doenças). Em todo o mundo, entre os jovens, a morte por suicídio já é mais frequente
que por HIV. Entre idosos, assim como entre pessoas de meia-idade, os índices
também avançam.
Falar de suicídio, na maioria das
vezes, é falar de depressão. Falar de depressão, no entanto, não
necessariamente é falar de suicídio. O G1 ouviu dois psiquiatras e uma
psicóloga especializados para ajudar a esclarecer um assunto que, segundo eles,
ainda é negligenciado:
Qual é o perfil do suicida?
Um dos estudos mais completos
sobre o tema, feito pelos pesquisadores Daiane Borges Machado e Darci Neves dos
Santos, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), analisou dados do Sistema de
Informações sobre a Mortalidade Brasileira (SIM), Datasus e IBGE entre os anos
2000 e 2012 no Brasil. As pessoas que mais se suicidaram foram as menos
escolarizadas, indígenas (132% mais casos que na população em geral) e homens
maiores de 59 anos (29% a mais que as outras faixas etárias).
O Mapa da Violência de 2014
(levantamento mais recente) também aponta uma alta de 15,3% entre jovens e
adolescentes no Brasil, de 2002 a 2012. O suicídio é predominante no sexo
masculino, com exceção da Índia e China. Os homens brasileiros têm 3,7 vezes
mais chances de se matar que as mulheres, de acordo com o estudo da UFBA.
Tem sido registrado um aumento no
número de suicídios em todas as faixas etárias: crianças, jovens, adultos e
idosos, como afirma o Mapa: "Os suicídios no país vêm aumentando de forma
progressiva e constante: a década de 1980 praticamente não teve crescimento
(2,7%); na década de 1990 o crescimento foi de 18,8%, e daí até 2012, de
33,3%". Os especialistas entrevistados pelo G1 demonstraram especial
preocupação com os jovens, que tem se suicidado cadas vez mais, e os idosos que
são a faixa com o maior índice - 8 suicídios para cada 100 mil habitantes, a
maior do Brasil, segundo o Mapa da Violência.
Neste mês, a Organização Mundial
da Saúde (OMS) publicou a cartilha anual de recomendação para a prevenção do
suicídio. Nela, são apontadas 15 causas frequentes que influenciam na retirada
da própria vida, como o uso de álcool e drogas, perda ou luto e outros
transtornos mentais, como a esquizofrenia. A maior parte dos casos são
executados por pessoas com depressão, independente de sexo, faixa etária ou
qualquer outra característica.
Por que homens?
“A diferença [de taxas] entre os
gêneros é geralmente atribuída a maior agressividade, maior intenção de morrer
e uso de meios mais letais entre os homens”, concluiu o estudo da UFBA. Ainda
segundo o texto, as mulheres “são mais religiosas, o que pode se tornar um
fator de proteção”.
O psiquiatra Rubens Pitliuk, do
Hospital Albert Einstein, em São Paulo, diz que a principal razão para os
homens conseguirem efetivamente tirar a própria vida é a forma como eles tentam
se matar. "Suicídio em homem é mais violento que em mulher. As mulheres em
geral tentam [se matar] tomando comprimidos. É mais difícil a mulher se jogar
de uma janela", explica.
Uma pesquisa de uma universidade
do Canadá, de 2008, encontrou a associação da mortalidade por suicídio com a
tendência de expor sentimentos. A taxa era menor nas regiões onde os homens
eram mais propensos a falar sobre o que sentiam.
Por que jovens?
O relatório da OMS afirma que
"as tentativas de suicídio de adolescentes estão muitas vezes associadas a
experiências de vida humilhantes, tais como fracasso na escola ou no trabalho
ou conflitos interpessoais com um parceiro romântico.”
Já para o psiquiatra José Manoel
Bertolote, consultor da OMS e autor do livro “O Suicídio e sua Prevenção”, o
aumento das taxas entre jovens e adolescentes já está bem documentado, mas
ainda são necessários mais estudos para entender as causas.
“Estudos feitos na cidade de São
Paulo sugerem que a falta de perspectivas de vida para muitos jovens --
insegurança física e econômica, desemprego ou falta de acesso -- aliada à
desatenção e ao despreparo do sistema público de saúde agravam ainda mais a
situação”, avalia.
A psicóloga Karen Scavacin, uma
das revisoras do documento "Preventing Suicide - A Global
Imperative", elaborado pela OMS, considera que há, também, características
do perfil dos jovens que devem ser levadas em consideração. “Tanto a criança
quanto o jovem tem uma impulsividade alta (...), ele ignora a irreversibilidade
da morte”.
O acesso fácil a meios de
incentivo também foi apontado pela psicóloga, que vê uma alta nos casos de
cyberbullying -- bullying feito pelas redes sociais e internet -- e que é fator
contribuinte para o aumento das taxas entre adolescentes. “Hoje em dia é muito
fácil você pesquisar como cometer um suicídio em qualquer mídia social. As
pessoas não levam em consideração quando um adolescente ou uma criança fala que
pretende se matar e isso deve ser uma das coisas que mais influencia”.
Todos os especialistas
entrevistados avaliam que, neste caso, os pais e amigos tendem a achar que um
comportamento agressivo pode ser confundido com uma fase difícil, como um
comportamento clássico de adolescente.
“Um adolescente às vezes tem uma
depressão não diagnosticada que vai aparecer como agressividade. Não é aquela
depressão que as pessoas imaginam de ficar na cama, de não fazer mais nada. O
adolescente sente muita dificuldade de pedir ajuda”, completa Scavacin.
Por que os idosos?
De acordo com Bertolote, o
aumento do suicídio entre idosos ocorre em maior parte também entre o sexo
masculino. “Nessa idade observamos o acúmulo de problemas de saúde, em sua
maioria doenças crônicas e incuráveis, muitas vezes dolorosas ou de tratamento
penoso, associado a um isolamento social progressivo, causados pela viuvez,
separações, distanciamento de filhos e netos, por exemplo”.
Para Scavacin, há o fato de que
os idosos planejam por mais tempo e por isso conseguem concluir o ato. “Para
cada quatro tentativas do idoso, temos um suicídio completo. Se a gente pensar
em um adolescente, são 200 tentativas para cada um suicídio completo. Ou seja:
o adolescente tenta mais, mas o idoso chega a cometer mais o suicídio”. disse.
Como salvar alguém?
Bertolote é objetivo na hora de
“aconselhar” como ajudar: “Para o leigo é, sobretudo, se dispor a se aproximar
de alguém que demonstra estar sofrendo ou que apresenta mudanças acentuadas e
bruscas do comportamento, ouví-lo e, se não se sentir capaz de lidar com o
problema apresentado, ir junto em busca de quem possa fazê-lo mais
adequadamente, como um médico, enfermeiro, psicólogo ou até um líder
religioso”.
De acordo com os médicos, o ideal
é que a pessoa seja encaminhada a um psiquiatra e seja medicada. E, no mundo
ideal, que tenha um acompanhamento de um terapeuta e o apoio da família.
Outro fator importante é que os
medicamentos levam um certo tempo para surtir efeito. Por isso, os primeiros 30
dias após uma tentativa de suicídio e o início do tratamento são os que
precisam de mais atenção.
Para Pitliuk, uma boa campanha de
conscientização, como ocorreu com a da Aids no Brasil, deve ser feita para a
depressão. "A população precisa ser mais bem informada de que depressão é
uma doença e tem tratamento. Boa parte das vezes, a pessoa se sente mal e não
sabe que tem depressão. Se soubesse o nome da doença, talvez procurasse ajuda.
E muitas vezes a família não percebe que ela está deprimida", explica.
O psiquiatra diz que é importante
quebrar o medo dos antidepressivos que, em casos de suicídio, são fundamentais.
“O remédio é necessário se o paciente tem uma depressão clínica, em que já
existem os sintomas físicos - queda de energia, dores no corpo, dores de
cabeça, boca seca - ou seja, o organismo inteiro está depressivo. Agora, se
você puder juntar o remédio com a ida a uma terapia, é melhor do que só o
remédio. Se só puder escolher um, é melhor receitar o antidepressivo",
considera.
Na rede pública, os psiquiatras e
a psicólogoa apontam que o caminho é procurar os Centros de Apoio Psicossocial
(CAPS). Por lá, é possível marcar uma consulta com um psiquiatra ou psicólogo.
O Centro de Valorização da Vida (CVV), fundado em 1962 em São Paulo, faz um
apoio emocional e preventivo do suicídio pelo número 141.
Veja mitos comuns sobre o
suicídio
'Quem fala, não faz' - Não é
verdade. Muitas vezes, a pessoa que diz que vai se matar não quer "chamar
a atenção", mas apenas dar um último sinal para pedir ajuda. Por isso, os
especialistas pedem que um aviso de suicídio seja levado a sério.
'Não se deve perguntar se a
pessoa vai se matar' - É importante, caso a pessoa esteja com sintomas da
depressão, ter uma conversa para entender o que se passa e ajudar. Não tocar no
assunto só piora a situação.
'Só os depressivos clássicos se
matam' - Não. Existe o depressivo mais conhecido, aquele que fica deitado na
cama e não consegue levantar. Mas outras reações podem ser previsões de um
comportamento suicida, como alta agressividade e nível extremo de
impulsividade. Os médicos, inclusive, pedem para a família ficar atenta ao
momento em que um depressivo sem tratamento diz estar bem: muitas vezes ele
pode já ter decidido se matar e tem o assunto como resolvido.
'Quando a pessoa tenta uma vez,
tenta sempre' - A maior parte dos pacientes que levam a sério o tratamento com
medicamentos e terapia não chegam a tentar se matar uma segunda vez. O
importante é buscar a ajuda.
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